Natal 2025: quando a esperança encontra a história
“O inferno já está aqui.”
Italo Calvino não estava a ser pessimista. Estava a olhar a realidade de frente—aquela que todos vemos quando levantamos os olhos do telemóvel: violência que destrói vidas (Charlie Kirk tinha 31 anos, dois filhos, uma ideia na qual acreditava), polarização que transforma o adversário em inimigo a eliminar, economia que descarta pessoas como se fossem resíduos de produção defeituosa, solidão que devora até quem tem mil amigos virtuais.
No entanto.
Precisamente aqui, no meio deste inferno quotidiano, existe um lugar.
O Lugar Impossível
O cartaz de Natal 2025 da Comunhão e Libertação mostra este ano a Gruta do Leite de Belém. Não um quadro. Não uma ideia. Um lugar físico—pedras, humidade, terra batida. Onde aconteceu qualquer coisa.
Papa Leão XIV, no seu primeiro Natal como Pontífice (e que primeiro ano: a morte súbita de Francisco a 21 de abril, uma eleição inesperada a 8 de maio, o peso de ser o primeiro Papa americano), recorda-nos: “Este lugar existe”.
Não é metáfora.
Não é símbolo.
É presença.
E aqui está o ponto que muda tudo—para o crente, para o ateu, para quem quer que esteja desesperadamente à procura de algo que não seja apenas conversa:
A esperança cristã não é um sentimento. É um facto.
O Acontecimento Contra o Hábito
Dom Giussani (fundador da CL, falecido em 2005 mas mais atual que nunca) dizia assim: aquilo que rompe o hábito, a resignação, o inferno-quotidiano não é uma ideia brilhante. É uma Presença viva que te acompanha.
Pensa nisto.
Quando Charlie Kirk foi assassinado a 10 de setembro de 2025 no Utah—atingido no pescoço enquanto falava com estudantes, abatido a 200 metros de distância por alguém que o considerava não-mais-humano—a América descobriu-se à beira do caos. Não pela morte em si (infelizmente a violência política tornou-se vulgar), mas pela desumanização que a tornou possível.
Se o outro se torna “verme”, “praga”, “cancro a extirpar”, o homicídio é apenas questão de tempo.
É exatamente o inferno de que falava Calvino.
E a pergunta torna-se: como se sai? Com mais ideologia? Com mais slogans? Com a “parte certa” que finalmente vence e cala todos os outros?
Ou com outra coisa?
O Método Impossível
Eis a provocação natalícia que te peço para considerares—como crente, como ateu, como pessoa-que-trabalha, como pai/mãe, como filho/a:
E se a única saída do inferno fosse reconhecer quem e o quê, no meio do inferno, não é inferno, e fazê-lo durar?
Isto não é teologia abstrata. É realismo operativo.
Na tua empresa, no teu escritório, na tua família: quem é aquela pessoa que, quando a encontras, te faz respirar de forma diferente? Aquela que não te julga pelo rendimento, não te mede pela utilidade, não te descarta se erras?
No teu trabalho: que projeto, que cliente, que colega te faz dizer “isto tem sentido, isto é para algo maior que o faturamento mensal”?
Na tua vida: que momento, que experiência, que encontro te fez dizer “eis, isto é real, isto vale, isto merece”?
O Paradoxo do Natal
O cristianismo não veio dizer-te “sê bom” (já sabias).
Não veio dizer-te “empenha-te” (já tens emails a mais).
Não veio dizer-te “sê positivo” (o positivismo tóxico faz mais estragos que o cinismo).
Veio dizer: o Destino fez-se Presença.
Tradução laica para quem não digere a linguagem religiosa:
Aquilo que procuravas em abstrato (sentido, valor, plenitude, “porquê levantar-me de manhã”) entrou no concreto. Já não é ideia—é Pessoa. Já não está longe—está aqui, agora, neste preciso momento-lugar-história.
Emanuel: Deus-connosco.
Não Deus-acima-de-nós (demasiado distante).
Não Deus-dentro-de-nós (demasiado confundível com o ego).
Deus-connosco: companheiro de estrada.
Nicolino Pompei e o Grito do Humano
Nicolino Pompei, fundador da Fides Vita (movimento católico italiano nascido nos anos 80), diz algo extraordinário: “Aquilo que impressionou Pedro, André, João, Zaqueu, Maria Madalena não foi um conjunto de regras morais ou verdades abstratas, mas a absoluta e perturbadora diversidade e excecionalidade da presença de Jesus”.
Repara bem: presença. Não mensagem. Não ideal. Presença encarnada que te olha, te chama pelo nome, te faz levantar.
E esta presença continua—através de pessoas, lugares, experiências—hoje, aqui, agora.
Quando o teu chefe te defende numa reunião mesmo que tenhas errado.
Quando o colega te pergunta “como estás realmente?” e espera pela resposta.
Quando o cliente se torna amigo porque descobriram que estão a construir algo juntos, não apenas a trocar dinheiro por serviços.
Isto é o cristianismo—não é a religião das regras, é a religião do Acontecimento.



Para Quem Trabalha (E Quem Trabalha Somos Quase Todos)
Papa Francisco—falecido a 21 de abril de 2025, apenas um mês depois da Páscoa, aos 88 anos, vítima do enésimo problema respiratório após meses de luta—dedicou o último ano do seu pontificado a um tema: o trabalho como dignidade, não como mercadoria.
Na visita a Turim em 2015 (recordada após a sua morte) disse ao mundo do trabalho: “Não a uma economia do descarte. Sim a um pacto social pelo trabalho à medida do homem.”
Não eram palavras bonitas. Era a síntese de uma vida que viu—na Argentina, como jesuíta entre os pobres das villas miseria—o que acontece quando a economia descarta pessoas.
E Papa Leão XIV, no seu primeiro discurso como Pontífice, retomou este fio: “A paz no mundo começa com a justiça social. E a justiça social começa quando olhas para o teu colaborador, o teu fornecedor, o teu cliente como pessoa, não como função.”
Para quem lê este post (provavelmente um empresário, um arquiteto, um profissional, alguém que toma decisões): este é o desafio natalício concreto.
Segunda-feira de manhã, quando regressas ao escritório depois das festas:
- Olhas para a tua equipa como “recursos humanos” ou como pessoas com histórias, famílias, sonhos, medos?
- Olhas para o faturamento como única medida ou como consequência de um trabalho bem feito, com dignidade, com sentido?
- Olhas para o Natal como “período comercialmente favorável” ou como ocasião para te perguntares: estou a construir algo que vale? Estou a tratar bem quem trabalha comigo? Estou a fazer a minha parte para que este mundo seja menos inferno e mais humano?
A Única Pergunta que Conta
Calvino concluía a sua reflexão sobre o inferno assim: “Procurar e saber reconhecer quem e o quê, no meio do inferno, não é inferno, e fazê-lo durar, e dar-lhe espaço.”
Esta é exatamente a proposta do Natal.
Não: “torna-te crente”.
Mas: “Olha. Vê. Reconhece aquilo que é verdadeiro, belo, humano—e protege-o, fá-lo crescer, constrói à volta disso.”
Para o crente, isto tem um nome: Cristo.
Para quem não acredita, isto pode permanecer “o humano pleno”, “a dignidade”, “o sentido”.
Mas todos podemos reconhecer que existe uma diferença abissal entre:
- Um trabalho que te esvazia e um que te preenche
- Um encontro que te usa e um que te valoriza
- Um Natal consumido e um vivido
- Uma economia que descarta e uma que inclui
- Uma cultura que desumaniza (Charlie Kirk) e uma que reconhece o outro
Este Lugar Existe
O cartaz CL 2025 termina assim (palavras de Papa Leão XIV):
“O Cartaz de Natal é uma ocasião para parar, refletir e reconhecer o grande anúncio do Natal: o Destino fez-se Presença, abrindo à esperança e à possibilidade de um caminho novo.”
Não é retórica.
É o contrário da retórica.
É indicação de um facto.
Um facto que podes verificar. Não com o intelecto (esse far-te-á andar em círculos), mas com a experiência.
Experimenta isto—natalício, mas não ingénuo:
Nos próximos dias, pergunta a ti mesmo:
- Onde encontrei “presença” (no sentido pleno: alguém/algo que me fez sentir mais humano, mais vivo, mais capaz)?
- Como posso proteger estes lugares, estas pessoas, estes momentos do inferno que tende a devorá-los?
- Como posso eu próprio tornar-me “presença” para alguém—no trabalho, em família, na rua?
Para Concluir (Mas Não Para Fechar)
Charlie Kirk morreu.
Papa Francisco morreu.
Calvino morreu há décadas.
Dom Giussani também.
Mas aquilo que indicaram—de formas muito diferentes, de posições culturais opostas—está vivo.
É aquela coisa que te faz dizer, no meio da confusão:
“Ok, aqui há algo que vale. Aqui há alguém que me olha verdadeiramente. Aqui há um motivo pelo qual amanhã de manhã faz sentido levantar-me e tentar outra vez.”
Isto é o Natal.
Não é festa. É nascimento.
Não é tradição. É início.
Não é para crentes. É para humanos.
E se chegaste até aqui (obrigado—a sério), deixo-te com a única pergunta que conta:
Tu, onde o reconheces que “este lugar existe”?
La Mercanti
Bréscia, Dezembro 2025
P.S. — Se esta reflexão te tocou, ou te irritou, ou te fez pensar, partilha-a. Não por mim, mas porque talvez alguém que conheces precise de ouvir dizer que “este lugar existe”—a sério, não a fingir.